
Até hoje, Cristianne Fridman não se esquece do dia em que recebeu um telefonema, avisando que seu pai havia passado mal dentro de uma casa lotérica no Rio. Era uma sexta-feira, 13, do distante ano de 1984. Naquele dia, Manuel Ferreira Pinto, então com 55 anos, sofreu um aneurisma cerebral, mas a funcionária da loja achou que ele tivesse desmaiado de emoção ao descobrir que era o mais novo ganhador da loteria. Ao chegar lá, Cristiane tomou um susto ao se deparar com uma multidão que invadiu o local, atrás do suposto bilhete premiado. "Naquele dia, pude ver o que as pessoas são capazes de fazer para ganhar na loteria", relembra.
Há alguns anos, Cristianne estava escrevendo os últimos capítulos de "Chamas da Vida", quando assistiu a uma daquelas matérias de telejornal que repercutem nas ruas o que as pessoas fariam se ganhassem, sozinhas, a mega-sena acumulada. Na mesma hora, teve a ideia de escrever a novela "Vidas em Jogo", que narra as aventuras (e desventuras também) de um grupo de amigos que ganham R$ 200 milhões após fazer um bolão. "Meu pai não ganhou na loteria. Mas eu ganhei. A oportunidade que a Record me deu de escrever ‘Vidas em Jogo’ é o maior prêmio que eu poderia ganhar. E o melhor de tudo é que eu vou poder dividir esse prêmio com o público", brinca.
André Bernardo - Como surgiu a ideia de transformar o sonho do brasileiro de ganhar na loteria em tema de novela?
Cristianne Fridman - Na época de "Chamas da Vida", eu estava vendo uma daquelas matérias que as emissoras de TV sempre fazem quando a mega-sena está acumulada. O repórter sai pelas ruas, perguntando às pessoas: "O que você faria se ganhasse, sozinho, o prêmio acumulado?". Uns respondem que querem ajudar a família. Outros, comprar a casa própria. E assim por diante. O desejo de ganhar na loteria é muito forte nas pessoas. Tão forte que algumas vivem disso. Há pessoas que jogam todas as semanas não sei quantos cartões. Viraram apostadores profissionais.
AB - O seu pai sempre jogou muito?
CF - Não, meu pai jogava ocasionalmente. Meu pai morreu dentro de uma casa lotérica, mas poderia ter morrido em qualquer outro lugar. Nunca vi ninguém morrer de alegria. Mas, de aneurisma, sim. Na hora que ele morreu, a funcionária achou que ele tivesse desmaiado de emoção porque ganhou na loteria. Na mesma hora, as pessoas invadiram a lotérica, atrás do bilhete premiado do meu pai. Quando cheguei lá, entrei em choque. Algumas pessoas chegavam a mexer nos bolsos da calça do meu pai. Na hora, pensei: "Puxa, o que as pessoas são capazes de fazer para ganhar na loteria?".
AB - E como o tema será abordado em "Vidas em Jogo"?
CF - O ponto de partida da novela é o bolão da amizade. Afinal, são dez amigos que jogam há dois anos, mas nunca ganharam nada. Um dia, eles resolvem fazer um pacto: se ganharem, vão guardar a metade do prêmio por um ano. Enquanto isso, cada um deles vai ter que cumprir uma missão. A missão de uma é emagrecer. A da outra, ficar menos avarenta. E por aí vai. Só que, aos poucos, os dez ganhadores começam a morrer misteriosamente. O que eu quero dizer é: o dinheiro transforma as pessoas. Para o bem e, infelizmente, em alguns casos, para o mal também.
AB - E o seu sonho, qual seria? Virar autora de telenovela?
CF - Não, nunca almejei isso para mim. O meu grande sonho sempre foi viver de escrever. O fato de ser autora de telenovela aconteceu por acaso. Mas sempre amei escrever. E, principalmente, sempre amei TV. Quem sabe, um dia, não escrevo para o cinema, hein? Dos autores de novela, gosto muito do Gilberto Braga. Infelizmente, não tenho podido assistir à novela "Insensato Coração" porque não dá tempo.
AB - Por quê? Como está a sua rotina no momento?
CF - Numa só palavra? Enlouquecedora! (risos). Já avisei a todos que sou lerda. Para escrever um capítulo, começo às 9h e termino às 23h. Às vezes, almoço no computador. À noite, quando consigo dormir, sonho com os personagens... (risos) Quando dá tempo, aos domingos, gosto de ir à praia, dar um mergulho no mar. Isso, para mim, é sagrado. Ah, e tenho que fazer fisioterapia também. Tenho seis hérnias de disco...
AB - Em "Vidas em Jogo", você discute temas delicados, como violência doméstica, máfia dos táxis e uso de anabolizantes. O que pretende com eles?
CF - Nunca abordo esses temas de maneira gratuita. O tema não se sobrepõe à trama. Em "Chamas da Vida", entre outros, falei de pedofilia e Aids. Desta vez, quero falar de obesidade e anabolizantes. A obesidade, por exemplo, deixou de ser um problema simplesmente de estética e passou a ser um problema de saúde pública. Já o uso de anabolizantes é muito sério. Pelo que eu li, quando não mata, pode provocar alguns tipos de câncer, como próstata e fígado. Um dos personagens vai se envolver com anabolizantes. Ele é um aspirante a jogador de futebol que faz uso da droga para ganhar massa muscular.
AB - "Vidas em Jogo" vai disputar audiência com "Amor e Revolução", do SBT. Qual é a sensação de concorrer com Tiago Santiago, que foi o seu supervisor em "Bicho do Mato"?
CF - Olha, esse negócio de audiência não é muito a minha praia. Quando um time entra em campo, entra para ganhar, não é mesmo? Comigo é a mesma coisa. Por outro lado, acho saudável essa competição. É ótimo ter mercado para todo mundo. Todos saem ganhando.
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